Huelgas Ensemble
bélgica
Sé Catedral de Évora
19 mai / 18:30
Embora tenha actuado, ao longo dos seus profícuos 50 anos de história, em muitas das principais salas mundiais (BBC Proms, Lincoln Center, Cité de la Musique, Filarmonia de Berlim ou Fundação Calouste Gulbenkian), o Huelgas Ensemble elege como seu “habitat natural” as capelas, igrejas e abadias espalhadas pelos vários territórios, cuja arquitetura revela de forma mais completa as polifonias do seu reportório. Daí que seja especialmente apropriado este privlégio de podermos escutar a música antiga em que o Huelgas Ensemble se especializou, dedicando-se a interpretações historicamente informadas de peças corais do período medieval e do Renascimento, no magnífico espaço da Sé de Évora. À abertura do Imaterial trazem um programa dedicado a Vicente Lusitano, compositor negro nascido em Portugal no século XVI, considerado pioneiro na música clássica europeia, e que terá, acredita-se, estudado em Évora.
Master Musicians of Jajouka
Master Musicians of Jajouka
marrocos
Teatro Garcia de Resende
20 mai / 22:00
Se é improvável que um grupo de homens de um pequeno lugarejo chamado Jajouka, no sopé das montanhas Rife e a cem quilómetros do porto de Tânger, se tornasse uma referência fundamental das músicas de raiz à escala platenária, mais improvável foi que tivessem sido descoberto por um músico dos Rolling Stones que, um certo dia de 1962, se apresentou em Jajouka para os conhecer. Brian Jones foi quem primeiro mostrou ao mundo a hipnótica e ancestral tradição musical preservada pela família Attar, cujo magnetismo se deve também a ter sido passada de pais para filhos num lugar remoto, e desenvolvida durante a vida inteira dos seus intérpretes. Com um reportório que se alimenta de temas ancestrais - o mais antigo foi tocado, durante séculos, para o Sultão, tanto no seu palácio quanto no campo de batalha -, mas também de novas criações, ouvir os Master Musicians of Jajouka é encostar os ouvidos a uma música que sopra ao longo de séculos até chegar, finalmente, até nós.
Ana Lua Caiano
portugal
Teatro Garcia de Resende
21 mai / 22:00
Ana Lua Caiano cresceu a escutar José Afonso e Fausto nas viagens de carro que fazia com os pais; mais tarde, a adolescência trouxe-lhe o mergulho em audições obsessivas de discos de Björk e Portishead. Quase que fica tudo dito. As canções urgentes e fulgurantes do seu primeiro EP, Cheguei Tarde a Ontem, nascem como novas visitas a um Portugal conhecido - melodias inspiradas pela tradição, um bombo eleito como principal motor rítmico e os sintetizadores e as electrónicas nas entrelinhas. Porque Ana Lua Caiano é tradição e contemporaneidade num só corpo, é Portugal remoto e cosmopolitismo de um mundo aproximado pela tecnologia numa só voz. Exemplo claro de como a tradição reiventada pode ser contagiada por assuntos dos nossos dias (a inquietação, a urgência, as relações abusivas, o desejo de estar em todo lado ao mesmo tempo), a música de Ana Lua Caiano chega ao Imaterial na altura em que lança o seu segundo EP, o muito aguardado Se Dançar É Só Depois.
Iberi Choir
geórgia
Teatro Garcia de Resende
22 mai / 21:30
Ibéria não equivale apenas ao território que conhecemos como a junção de Portugal e Espanha. Iberia (agora sem acento) é também a designação dos gregos e romanos antigos para a região oriental da Geórgia. É daí que vem o Iberi Choir, grupo que se dedica ao específico canto polifónico georgiano, reconhecido pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade em 2001. Embora o canto georgiano tenha um tronco e um reportório tradicional comum a várias zonas do país, os membros do Iberi Choir tiram proveito das características de improvisação típicas desta música para recriar de forma única temas que fazem parte do património colectivo - e que tanto se inscrevem na música sacra, quanto nas canções de trabalho, tanto podem recuperar melodias de festa habitualmente servidas à mesa quanto canções para de embalar. No fundo, como muitas vezes acontece, a música do Iberi Choir é uma extensão do dia-a-dia - das preocupações, das crenças, dos motivos de celebração.
Kaito Winse
burkina faso
Teatro Garcia de Resende
23 mai / 21:00
Kaito Winse cresceu numa família griot, em Lankoué, uma pequena povoação no norte do Burkina Faso. E, tal como sempre acontece entre os griots, cabe-lhe a preservação da tradição e a transmissão das histórias do seu povo. Multi-instrumentista, Winse parece necessitar da variedade de sons que busca ao seu redor para criar uma paleta musical à altura da sua voz extraordinária, veículo de uma inspiradora riqueza poética e de uma filigrana na qual é possível escutar uma qualidade quase operática. Sobre a sua inflamada presença em palco, Mariana Duarte escreveu no Público que Winse se revela um dos “vocalistas mais galvanizantes que vimos nos útlimos tempos - ele canta, ele dança, ele salta entre instrumentos”. A partir de Bruxelas, onde reside actualmente, Kaito Winse parece ver com maior clareza o seu lugar de origem e a ele regressar à boleia de uma música incandescente.
Trio da Kali
mali
Teatro Garcia de Resende
23 mai / 22:00
O mundo despertou para a música encantatória do maliano Trio Da Kali quando, em 2017, o grupo lançou em disco a sua colaboração com o excelente Kronos Quartet. Ladilikan, o álbum criado em conjunto, havia de figurar nas escolhas de melhores do ano de publicações como The Guardian, Songlines, Folk Roots ou Uncut, num elogio consensual à música de um colectivo vindo da cultura mandinga do sul do país, e de uma longa linhagem de griots. Comprometidos com a missão de resgatar reportórios esquecidos e técnicas griots de execução instrumental à beira da extinção, os dois músicos Fodé Lassana Diabaté (membro da Symmetric Orchestra de Toumani Diabaté, balafon) e Mamadou Kouyaté (ngoni baixo), e a cantora Hawa Kassé Mady Diabaté são velhos conhecidos que o destino tardou em juntar. Mas a música que erguem a partir dos seus recursos reduzidos à essência é uma bela, subtil e pungente recriação de um legado narrativo pré-colonial. Como se o regresso ao passado fosse o único destino possível para o futuro.
Sougata Roy Chowdhury & Nihar Mehta
Sougata Roy Chowdhury & Nihar Mehta
índia
Teatro Garcia de Resende
24 mai / 21:00
Nem todos os berços são iguais - e há alguns em que a música está, desde o primeiro minuto, bem mais presente e a indicar o caminho. Sougata Roy Chowdhury é filho do famoso escultor e um dos maiores coleccionadores de música clássica indiana Sarbari Roy Chowdhury, e da magnífica cantora Ajanta Roy Chowdhury. Se o ambiente em sua casa era dominado pela música clássica indiana, aos dez anos Sougata deu o passo seguinte e entregou-se ao sarod, cordofone central nesta tradição; em poucos anos, o seu talento tornou-o num dos mais admirados músicos da sua geração. Passando pelas mãos de vários mestres, Sougata Chowdhury continua a ser um discípulo - de acordo com a noção de que a aprendizagem é um processo inesgotável - mas há muito que a sua música é já a de um mestre também, treinado nos ragas tradicionais, embora com uma linguagem cada vez mais livre e pessoal, capaz de evoluir em poucos segundos de notas distendidas em tom meditativo para um virtuosismo estonteante. Disso nos dará conta ao lado de Nihar Mehta, nas tablas.
Kayhan Kalhor Trio
irão
Teatro Garcia de Resende
24 mai / 22:00
Kayhan Kalhor sabe que o papel de um músico tradicional é hoje muito diferente daquele que tinha há 100 ou 200 anos. Se, antes, esse músico tocava na sua vila ou na região e garantia um lugar para a música no contexto da comunidade local, na era em que hoje vivemos amplificou a sua escala e passou a ser alguém que preserva, mas também que divulga uma dada tradição. No seu caso, intérprete espantoso do kamancheh (cordofone aparentado ao violino) e um dos mais reconhecidos representantes globais da cultura iraniana, o seu compromisso é com a música clássica persa, ciente de que a mudança é uma consequência natural trazida pelo tempo - sem mudança, quase fatalmente, uma tradição está condenada à extinção. Neste seu magnífico trio, intitulado Art of Improvisation, Kalhor é acompanhado por Kiya Tabassian e Behnam Samani, e os três dão forma à expressão iluminada de uma música envolvente, criadora de um autêntico e belo estado de transe em quem diante dela se coloca.
Silvana Estrada
méxico
Teatro Garcia de Resende
25 mai / 21:00
Não deve haver assunto mais explorado na música popular, seja qual for a sua latitude, do que o desgosto amoroso. E é, por isso, tão mais surpreendente quando um álbum como Marchita, a estreia da cantautora mexicana Silvana Estrada (se descontarmos a colaboração em disco com o guitarrista Charlie Hunter), provoca um tal terramoto na cena musical. As críticas arrebatadas vieram de todos os cantos do planeta, o Grammy Revelação chegou no final de 2022, e a certeza de que estamos perante uma das mais apaixonantes criadoras de canções do momento já é assunto pouco passível de discussão. Depois de ter estudado na Venezuela (onde recolheu o seu inseparável cuatro), viveu em Nova Iorque e voltou para o México, país que impregna as suas criações. “Quando crescemos a escutar Chavela Vargas”, disse Estrada ao New York Times, “damo-nos conta de que a tristeza é um veículo para entender o mundo.” Mas porque a vida não é só tristeza, depois de Marchita veio o EP Abrazo, celebração do amor como força política.
La Kaita
extremadura
Teatro Garcia de Resende
25 mai / 22:00
Cantora cigana nascida em Badajoz, La Kaita (nome artístico de Maria de los Ángeles Salazar Saavedra) é uma das mais respeitadas vozes do flamenco tradicional, trazendo para a sua música, ainda assim, jaleos e tangos, géneros típicos da Extremadura. Ex-vocalista do grupo Pata Negra, La Kaita canta como se deitasse a sua alma cá para fora em cada verso, uma voz toda ela visceralidade, toda ela sentimento, de uma intensidade rara e espelho de uma liberdade plena que transita da vida para a sua música. O cineasta Tony Gatlif (também presente nesta edição do Imaterial) foi um dos muitos a deslumbrar-se com esse atalho que La Kaita encontra para as emoções de quem a ouve, chamando-a para os filmes Vengo e Latcho Drom. Em Évora, sem artifícios que desviem a atenção das suas poderosas interpretações vocais, La Kaita surgirá na companhia dos guitarristas Miguel e Juan Vargas, pai e filho, músicos exímios e sintonizados com o registo quase selvagem da cantaora, intérprete de um flamenco que se faz actual por uma urgência que só pode ser sinónima de presente.
The Drummers of Burundi
burundi
Teatro Garcia de Resende
25 mai / 23:00
Um espectáculo dos Master Drummers of Burundi vai do nascimento à morte. Pode soar a exagero ou a metáfora que fica bem em textos de apresentação do grupo, mas a verdade é que este colectivo reunido em torno de ritmos tradicionais do Burundi leva para palco a música que acompanha vários rituais sociais ligados à sua vida em comunidade, associados tanto à celebração dos nascimentos e à despedida dos mortos, quanto às invocações da fertilidade e às cerimónias de subida ao trono de um novo rei. Os ritmos promovem, por isso, um diálogo contínuo com a vida por inteiro (nos seus vários momentos) e a sua expressão musical é apenas um dos aspectos de performances que acontecem em semi-círculo e passam também pela dança. Os tambores dos Master Drummers são construídos na madeira de uma árvore existente apenas no Burundi e cada músico planta as árvores para os instrumentos daquele que lhe virão a suceder, alimentando um imparável ciclo de renovação. Uma experiência imperdível.
Danûk
curdistão
Teatro Garcia de Resende
26 mai / 22:00
Dizem-se um grupo de jovens músicos unidos pelo amor comum que nutrem pela música tradicional curda. Fundados no exílio, em Istambul, em 2015, os Danûk inspiram-se na música descoberta em arquivos fonográficos (em Berlim e em Viena) do folclore e das canções de casamento da cultura curda, trazendo essas sonoridades antigas (e registadas em formatos obsoletos) para a actualidade de quem se relaciona com essa música a partir de um lugar artístico, sociológico e político actual. Descobertos a tocar nas ruas de Istambul, acabaram por ser chamados a compor e interpretar bandas sonoras para cinema e para rádio, tendo acabado por juntar-se a Michael League (multi-instrumentista e produtor da banda de jazz Snarky Puppy) para a gravação do álbum Morîk. No fundo, aquilo que os Danûk fazem através da música é a procura pelas suas origens e pela pertença a uma História maior do que a sua. Olhando para trás, não querendo esquecer as fundações de uma cultura sob ameaça, tentando garantir que o futuro não é sinónimo de apagamento.
Kadinelia
grécia
Teatro Garcia de Resende
26 mai / 23:00
Quando Thanasis Zikas e Evi Seitanidou começaram a trocar ideias musicais, em 2014, estavam longe de imaginar a identidade sonora a que chegariam passado um ano: ao invés de darem forma a uma estética marcada por um interesse profundo em estéticas electrónicas, os dois encontravam-se, afinal, num universo de guitarras acústicas, harmonias vocais e em que a tradição musical grega era atravessada por elementos de blues ou rock. Um imaginário bucólico, permeável a tsabounas (gaita de foles) e liras, a beatboxing ou ecos psicadélicos, procurando o desenho de uma paisagem sonora de encontro entre (Próximo) Oriente e Ocidente, muitas vezes soando tão fronteiros à música apalache e à folk britânica, quanto ao psicalidelismo da Anatólia e à rebetika grega (um caldeirão multicultural que mescla sonoridades locais com influências bizantinas e otomanas). Os Kadinelia apresentam no Imaterial a sua música de viagem, mas em que cada paragem parece concentrar em si vários lugares em simultâneo.
Tautumeitas
letónia
Teatro Garcia de Resende
27 mai / 21:30
As Tautumeitas começaram por dedicar-se ao canto tradicional, repetindo e seguindo de perto as canções que lhes foram passadas pelos mais velhos. Só que, aos poucos, dizem, “à medida que se aproximavam das canções, as canções também se aproximavam delas”. Querendo isto dizer que se permitiram deixar de lado a reverência e a ideia de que a tradição é território intocável e sagrado, optando por trazer o seu universo de instrumentos e influências para os temas do reportório tradicional letão. E isto quer também dizer que, no mundo das Tautumeitas, as canções da Letónia podem manter as suas origens melódicas, mas serem arranjadas de acordo com regras e características mais identificáveis com a pop global. O resultado é uma música que, apesar das suas óbvias especificidades, se torna familiar de forma instantânea, como se os três mil quilómetros que separam Portugal e Letónia fossem engolidos, de súbito, no curto intervalo de tempo em que dura uma das suas canções.
Os Ganhões de Castro Verde & Paulo Ribeiro
Os Ganhões de Castro Verde & Paulo Ribeiro
portugal
Teatro Garcia de Resende
27 mai / 22:30
Escreve José Luís Peixoto que “os Ganhões de Castro Verde conhecem o tamanho das palavras que cantam”. E exemplifica com “terra, sol, Alentejo”. Palavras que estão sempre entranhadas nas suas vozes, mesmo se nem sempre fazem parte de cada letra que lhes ouvimos. Para o seu concerto no Imaterial, os homens que colhem o nome naqueles que trabalhavam no campo, ao serviço das sementeiras, das colheitas ou da apanha da azeitona, juntam-se ao cantor Paulo Ribeiro para o espectáculo “O cante não cai do céu”, juntando às modas do cancioneiro tradicional um conjunto de novas composições com autoria do ex-líder dos Anonimato. São temas trabalhados por Paulo Ribeiro a partir de poemas de Manuel da Fonseca, João Monge, Tiago Rodrigues ou Patrícia Portela, numa perspectiva de renovação do reportório do cante, trazendo novos olhares sobre uma música que é Património Cultural e Imaterial da Humanidade. Para que o cante não se esqueça de crescer para fora - e não para dentro.